sábado, 21 de janeiro de 2012

Os insectos cinzentos


Capitulo III- 2ªparte

E depois foi a minha vez, depois da borboleta monarca e da viúva negra chega a vez do insecto cinzento.
-E esta é a nossa filha adoptada, a Joana. – a frase é dita na total ausência de um sorriso. A D.Sara acena, o marido continua a beber.
A festa continuou, a D.Sara falou com a Joana acerca do colégio porque tem um filho com a idade dela que também lá anda e gostava de saber se ela o conhece.
Eu fui para a casa de banho, não para a casa de banho de serviço mas para a do piso de cima.
Vi-me ao espelho e de repente odiei tudo acerca de mim, apercebi-me das minhas borbulhas. Quando me imagino, nunca me imagino com borbulhas e imagino-me leve e ágil, quase sem corpo. Mas não é assim que sou, sou gorda, tenho acne, tronco em forma de barril, peito liso e um cabelo castanho desgrenhado, sem ser liso nem ondulado. Deslizei as mãos para as borbulhas do meu peito quando ouvi alguém bater á porta.
-Joana, estás aí?- a voz era rouca, masculina e hesitante. Era o Rui.
-Estiveste a chorar?- só na altura me apercebi que tinha lágrimas a escorrer-me pela cara.
-Sim.
-Porquê?
-É uma coisa parva, esquece. – Respondi enquanto limpava a cara ao casaco – Preciso que me passes uma justificação para hoje.
O Rui não fez perguntas, nunca faz, limita-se a acenar. Reparei no copo na mão dele, estava bêbado, qualquer dia está igual ao meu pai. Durante algum tempo nenhum de nós disse nada, fica-mos ali, a olhar um para o outro com as vozes e os risos como banda sonora. O Rui é…
Bem, não há maneira de ser delicada em relação a isto, ele é o homem que dorme com a minha mãe.
Eu sei, é estranho. Seria ainda mais estranho se o conhecesses.
O Rui é alto e deve ter sido magro em novo mas recentemente ganhou uma barriga de cerveja, tem o cabelo encaracolado e preto muito curto e óculos rectangulares.
Não é um homem feio, mas não é homem para a minha mãe. Já para não dizer que deve ser uns cinco anos mais novo que ela. Cinco anos não é muito tempo mas a minha mãe e o Rui são, visivelmente, duas pessoas em estados de vida completamente diferentes. Um solteiro e uma mulher de família, um médico e um executiva, um excêntrico e uma beleza, um homem em inicio de carreira e uma mulher que chegou ao topo.
A minha mãe, Isabel, cresceu na parte mais cara da nossa cidade, é filha única de um casal abastado e elitista e frequentou o mesmo colégio privado que nós, um dos mais prestigiados do país. O Rui passou os primeiros anos da sua vida num prédio cosmopolita, a ler os livros de medicina da biblioteca do pai e a dissecar pequenos animais. Quando tinha dez anos, os pais conseguiram a muito sacrifício, inscrevê-lo no nosso colégio. No terceiro dia de aulas viu a Isabel (esta história foi-me relatada por ele, se bem que numa versão muito mais metódica e abreviada, porque o próprio Rui é assim). Era a rapariga mais bonita que já tinha visto, tinha o cabelo loiro e macio como seda e um rosto com a serenidade e a regularidade do das estátuas gregas. Os olhos eram azuis e transmitiam… Bem, não transmitiam nada, eram vazios e translúcidos, como a água. Usava um vestido de alças, branco e rendado que contrastava com a pele sardenta e morena. Durante algum tempo, ele limitou-se a ficar ali parado, a observar a maneira como a boca dela se mexia quando falava, como o cabelo dela lhe roçava no ombro. Ele nunca se tinha apaixonado, sempre pensara que era demasiado racional para isso e a mãe dizia-lhe que ainda era muito novo. Passou os dois anos seguintes a observá-la de longe, era uma rapariga popular, como alguém assim tinha de ser e raramente se encontrava sem namorado. Não era muito inteligente, pelo menos não era o tipo de inteligência que lhe garantisse boas notas. Era uma esperteza, uma sabedoria de viver, um certo carisma, algo especial, algo só dela, algo tão leve como o nome…
Era Isabel.
E era o último ano dela na escola, era agora ou nunca, por isso, um dia, estava a ela a estudar com as outras amigas, envergonhada pela sua falta de perícia nos estudos (pois não estava, claramente, habituada a ser má em alguma coisa), ele falou com ela.
A matéria que ela estudava era, para ele, tão fácil como uma brincadeira infantil. E Isabel deixou-o explicar, divertida por aquele génio em miniatura, que tentava, de uma maneira tão desajeitada que se tornava amorosa, interessá-la nele.
A partir desse dia, Rui começou a dar explicações a Isabel. Raramente falavam de algo a não ser da matéria pois não tinham, realmente, nada em comum, mas havia alguma coisa, uma proximidade, um toque, uma piada ocasional que denunciava a cumplicidade que ia crescendo entre eles. No último dia de explicações, apenas porque não tinha nada a perder, ele beijou-a. Ao contrário do que estava á espera, ela não ficou chocada. Limitou-se a rir.
O Rui diz que foi o momento mais humilhante da vida dele, quando ela se riu. Mas só durou um segundo antes de ela o beijar de volta.
E foi a última vez que a viu em doze anos.
Quando tinha vinte e quatro anos houve uma conferência em Nova York, dada por um investigador que conhecia e admirava. Rui começara recentemente a trabalhar, precisava de uma pausa dos horários esclavagistas e do muco dos pacientes. Queria seguir psiquiatria mas tinha que passar pelo internato primeiro…
Precisava de uma pausa.
Foi então que a viu, tão bonita como sempre, ou até mais se possível, a passagem dos anos definira-lhe as maçãs do rosto e o corpo ganhara formas mais femininas.
Não sei o que aconteceu a seguir, o Rui poupou-me aos detalhes. Mas facto comprovado é o de eles terem passado os dois dias seguintes num quarto de hotel em Nova York.
Na manhã de segunda-feira, Isabel estava vestida e pronta para sair quando se inclinou para ele e lhe deu um beijo. E foi com um sorriso nos lábios e uma voz doce que lhe disse:
-Sou casada.
E, bem, catorze anos depois, aqui estamos nós. Quase exactamente na mesma.
-Não respondes-te á minha pergunta. Porque estás a chorar? – sente-se o cheiro do álcool cada vez que ele fala.
Ele não está a tentar pressionar-me, nem meter-se na minha vida, está só preocupado comigo.
-Tive um dia mau na escola e depois houve esta… O que é esta merda afinal? Uma festa, um jantar de negócios, um banquete romano?
-Sabes que não gosto de te ouvir falar assim.
Não me controlei, bati-lhe. Bati-lhe e depois abracei-o com tanta força quanto conseguia, como se ele fosse o universo e realidade que parece escapar-me cada vez mais. O Rui não reagiu imediatamente, não está habituado a contacto físico, mesmo quando está com a minha mãe limita-se a olhar para ela como se fosse o sol, nunca toma a iniciativa de lhe tocar. Mas depois de algum tempo ele abraça-me de volta e toca-me no cabelo, como nunca o vi fazer á minha mãe, como nunca o vi fazer a ninguém.
Não sei bem explicar o que aconteceu a seguir, só sei que o beijei. Meu deus, até tu que és um insecto me estás a olhar com desprezo. Não foi de propósito, pelo menos não fui eu, a Joana que o fiz. Foi aquela parte de mim, aquela que quer magoar a minha mãe, que não quer mais nada no mundo do que fazê-la sofrer.
Foi ela que o beijou e que fez…
Bem, tudo aquilo que veio a seguir.


                                                                                                                      Verónica

Os insectos cinzentos



Capitulo III – 1ªPARTE

Joana

De que cobra gostas mais?
A minha favorita é a real da Califórnia mas ela hoje não se mexe, está enrolada á volta do pote de água com uma expressão triste nos olhos negros. Os animais também ficam tristes, sabiam?
Até as cobras, não são tão más como as pintam, as cobras… Lá porque não são fofinhas e quentes não quer dizer que mereçam ouvir o seu nome a ser usado como termo pejorativo a humanos que são tão inferiores a elas.
Voltei a faltar às aulas, não faz mal de qualquer maneira, o Rui arranja-me um atestado.
Ontem fui, era segunda-feira e o jardim zoológico estava fechado, também podia ter ido ao cinema mas não tinha dinheiro e não estava a dar nada de jeito…
A professora de francês ergueu logo uma sobrancelha quando me viu, não tinha o uniforme vestido e devia parecer que não dormia há dois dias. O que até é verdade, ando a tentar ler a obra completa do Marquês do Sade e não é propriamente uma leitura que possa fazer á frente de toda a gente…
-Menina Joana, ouvi dizer que esteve doente? – o sarcasmo era desnecessário, ela sabe que não estou doente. Tudo bem que a baixa é psiquiátrica mas ela não acha que eu seja maluca, só uma falhada intransigente e mimada. Pode ter razão, não sei, mas para dizer a verdade, não me interessa.
-Sim.
-Já ultrapassou a sua fobia á escola? - nesse momento todos os meus colegas se começam a rir, olho para o Luís que é o que está mais próximo de mim com o ar mais inexpressivo que consigo arranjar, até que o obrigo a desviar o olhar.
Sem mudar a expressão respondo á pergunta da professora:
-Não particularmente.
Depois foi o mesmo de sempre, uma conversa numa língua que não compreendo e risos de gente que percebia tanto como eu mas achou que se devia rir. Não sei porque deixo estas coisas incomodarem-me mas quando dei por ela tinha lágrimas nos olhos, não volto lá enquanto me lembrar disso, não volto mesmo. Ao almoço sentei-me á beira da Susana e da Anabela e embora elas não se tivessem ido embora continuaram a falar uma com a outra e excluíram-me completamente da conversa. Queria falar com elas mas não consegui, não conseguia pensar em nada para dizer, foi então que se apoderou de mim aquela sensação. Nada é pior do que não existir e ali, sozinha mas consciente, incapaz de pensar foi isso que eu senti. Já pensei nisso muitas vezes, e se eu sou só uma estrela ou um objecto inanimado a observar a vida dos outros, incapaz de ter a minha própria vida? Às vezes, quando a minha mente escapa para uma música ou um filme, pergunto-me se não serei só mais um personagem. Por vezes acho que seria tão mais simples ser um animal. Teria sempre um objectivo: sobreviver, reproduzir-me, arranjar comida.
De qualquer modo, porque quererias tu ouvir as minhas crises existenciais?
És só um insecto. Um insecto cinzento.
Hemiptera Pentatomidae, um insecto comum, uma praga agrícola. Não és bonito como as borboletas monarcas, nem tens o mistério e glamour das viúvas negras, nem sequer o perigo dos escorpiões. És só mais um, um entre muitos. É por isso que falo contigo, sei que tu percebes, tu és, no reino dos insectos, o equivalente àquilo que eu sou no dos humanos.
Um nada.
De qualquer maneira, tenho de contar isto a alguém ou não aguento.
Ontem á noite houve mais um jantar. O Rui também veio, vagueando pela sala com aquele ar estranho, tão típico dos psiquiatras. Uma das convidadas foi uma colega de trabalho da minha mãe, uma senhora de meia-idade, muito bem arranjada de mão dada com um marido corado que não tirava os olhos do decote da mãe e, posteriormente, do rabo da Sandra.
-Este é o meu filho, o Miguel. Miguel, esta é a Sara, está encarregue das contratações. E este é o José, o marido dela.
O meu irmão, com o seu ar de permanente aborrecimento levanta-se da cadeira e cumprimenta o casal.
-Prazer em conhecer-te, que belo rapaz que tu és. – a mãe lança ao Miguel um olhar de censura pois ele mal consegue conter o riso.
-E a minha filha, Sandra. – A mãe pode achar que esconde bem as preferências dela, mas o facto de a Sandra ser a sua favorita é perceptível. É perceptível nos seus olhos, na sua voz e até na extensão do seu sorriso – A Sandra está no quadro de honra, tem média de 19. É provável que entre para medicina.
Os cumprimentos com a Sandra também foram bastante mais efusivos do que os do Miguel, a D.Sara pareceu genuinamente impressionada e o marido dela só não apalpou a Sandra porque a sala estava cheia de gente.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Quando a chuva passar

A nossa relação começou como qualquer outra. Deixei de contar o tempo ao longo dos anos porque, a certa altura, já não fazia sentido. Mas lembro-me muito bem do medo que tinha, no princípio, de que te fosses embora. Afinal, nunca tive grande auto-estima. Gozaste muito comigo sobre isso, mas no final nunca me deixaste. Estiveste sempre lá para mim. E eu fui muito feliz.
         Infelizmente, chegou o dia em que descobri que algo tinha mudado. Onde estava a minha felicidade? O que julguei ser um dia mau, tornou-se em semanas e eu não parava de pensar no que tinha acontecido. Éramos as mesmas pessoas, certo? Talvez não. Havia algo de errado. Mas tu também o percebeste e tanto pensaste que te tornaste distante e te começaste a esquecer de ouvir as minhas preocupações banais. Depois, começamos a discutir, porque estávamos sempre em desacordo. Eu estava triste e tu estavas sempre chateado por tudo e por nada.
         Um dia, chegaste a casa mais cedo do que o costume. Eu estava a trabalhar na sala e fiquei bastante surpreendida, porque sempre adoraste o teu trabalho e conseguias dividir muito bem o tempo, de forma a sair do trabalho às horas certas para poderes estar em casa quando eu também estivesse.
-         Vou-me embora.
Não disse nada. Tentei arranjar qualquer outro significado escondido nas tuas palavras e não encontrei. Tu continuaste a olhar para mim durante alguns segundos e foste para o quarto. Só então percebi que me ias realmente deixar. Não havia qualquer tipo de expressão em ti para além da determinação de cumprir a decisão tomada e por isso, em vez de gritar contigo e desatar a chorar, fui ajudar-te a arrumar as coisas. Chorar não ia mudar nada. Não te ia fazer ficar.
No dia seguinte já tinhas as malas com o que era necessário para os primeiros tempos. Disseste que virias buscar o resto quando arranjasses um sítio mais permanente para ficar. Concordei com tudo. Estava demasiado concentrada em manter a compostura para discutir. Foste pôr as tuas coisas no carro e eu olhei para a nossa casa. Era demasiado grande para eu lá viver sozinha. Teria de arranjar outra.
-         Eu volto.
Não tinha reparado que tinhas voltado e assustei-me. Estavas com aquele ar de quem percebeu os meus pensamentos. Acenei. Havia esperança. Talvez um dia voltasses.
         Acenaste uma última vez de dentro do carro para o alpendre e eu acenei de volta. Tentei absorver cada segundo, para nunca mais me esquecer de ti. O teu pé pisou o acelerador e eu segui o carro com o olhar até que desapareceu, no fim da rua.
Nesse dia, prometi a mim mesma que ia esperar por ti. Decidi ter esperança nas tuas palavras. Ao longo do tempo, esquecemo-nos do que nos fazia felizes e esta era a nossa oportunidade de o relembrar. Se nunca mais voltasses, pelo menos teria esse conhecimento, para não voltar a cometer o erro de esquecer. Se decidisses que eu não te fazia feliz, aprenderia a viver assim e apenas te desejaria o melhor.
Mas voltaste e nenhum de nós voltou a esquecer a felicidade.


Anita P.P.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Os insectos cinzentos


Capitulo II- Parte 2
Não era como nos filmes, ninguém estava a gritar em conjunto e no entanto estava uma barulheira infernal. Um pouco contra a minha vontade, dei por mim junto deles a ver aquela cena degradante e ridícula.
Para começar, era ridícula porque claramente um daqueles rapazes nunca andara á luta, estava a ser assassinado pelo outro que lhe batia com toda a força que tinha. No entanto parecia ter quase medo de usar toda a sua força para lhe bater. Não que se a usasse fosse ganhar a luta, era magro, pequeno e tinha cara de bebé apesar de, a julgar pela barba já ter mais de quinze anos, mas pelo menos podia não ter sido tão massacrado. Já tinha o rosto cheio de sangue e o nariz tinha um ângulo estranho.
Aquelas pessoas eram todas tão feias, os seus rostos eram tão disformes, as suas vozes tão agudas.
No meio da multidão, era uma loira oxigenada com um peito grande e uma cara tão feia como todas as outras quem olhava mais fascinada para a cena.
A Vera, naturalmente.
Só depois reconheci que o rapaz que estava a espancar o outro era o namorado dela. Ou um derivado, estão sempre a separar-se mas o desgraçado é tão masoquista que acaba sempre voltar para ela mesmo estando farto de saber que ela é uma cabra que não se importa de o trair com qualquer um.
Alguns funcionários tentaram separá-los mas foi só quando o director chegou que a multidão realmente se dispersou.
Aproximei-me da Vera, não fui a única, ela estava rodeada de gente mas quando me viu fez uma cara muito horrorizada do género “viste aquilo?”.
-O que é que se passou, porque é que o Tiago estava a bater naquele puto? – ao falar apercebi-me da estranheza da minha voz, mas a Vera não parecia reparar.
Outro olhar falsamente horrorizado antes de dizer:
-Foi por causa de mim, acreditas? Bateu no puto só por causa de mim!
Eu retribuo o olhar horrorizado:
-Tens de o largar de vez, não pode ser assim, mas quem pensa ele que é, o teu dono?
Bla, bla, bla, és cá uma cabra de merda, detesto-te e és feia. Não costumas ser mas hoje estás, o teu nariz é demasiado grande e tens borbulhas, imensas borbulhas e poros dilatados
Bla, bla , bla, as pessoas sempre foram assim tão barulhentas? Porque é que estou na sala em que tenho biologia?
O que está acontecer?
Está tudo a rodar tão depressa, mas não pode ser porque estou parada, não pode ser pois não, mãe?
Por favor, ajuda-me, eles estão a puxar-me a levar-me até ao fundo, não consigo mexer-me, não tenho braços nem pernas, não consigo senti-los! Não te rias, odeio-te, odeio-te, odeio-te!
-Sandra, Sandra estás bem?
Tenho de ir, tenho de fugir, eles vão apanhar-me, não está bem, não estou bem, aqui, eu. O meu x-acto, quero apunhalá-los mas os meus braços estão no chão
Não, afastem-se de mim, estou a tentar, estou a tentar agarra-lo, consegui, sai da minha frente, sai, sai!
Porquê está tudo vermelho, estou magoada, não me sinto magoada!
E se estiver morta? O que se passa eu não consigo…
Onde estou eu?          
                                                                                                                                  Verónica

Os insectos cinzentos



Capítulo II- Parte 1

Sandra

-Enfiada na biblioteca outra vez. – o Bruno contrai o nariz e sorri.
Não lhe respondo, de facto nem tiro a cabeça de dentro do livro de matemática. Ele muda radicalmente de expressão e apercebo-me que deixou de esperar uma resposta.
-Só te queria perguntar se queres aparecer hoje á noite na praia.- limito-me a abanar a cabeça- Já almoças-te?
Agora sim tiro os olhos do livro e fixo-os nele:
-Agora és meu pai?
-Só estou preocupado contigo.
-Devias preocupar-te menos comigo e mais contigo porque no ano passado tiveste média de 13.
-Sabes que mais, vai-te foder, não tenho paciência para te aturar!
O Bruno não é mau rapaz, na verdade é mais o contrário, é meu namorado há uns meses e não vai durar muito, não é muito bonito nem muito inteligente e é demasiado simpático para mim.
A verdade é que tenho fome, é por isso que estou a ser uma cabra com toda a gente é por isso que tenho a cara enfiada num livro de matemática, porque se for á cantina sou obrigada a olhar para montes de gente feliz e sorridente a comer batatas fritas e bolos quando eu não como desde ontem.
Acabo por desistir porque não consigo pensar e vou para a casa de banho. No outro dia encontrei um comprimido estranho no casaco do meu irmão, é mais uma cápsula do que um comprimido, sei que muitos miúdos da escola dele se drogam e não me parece que ele seja desse tipo mas, para evitar que ele se metesse em sarilhos fiquei com ele. Ainda pensei em dizer á mãe mas a verdade é que não quero que os meus irmãos me odeiem. O que é patético. Mas quando eles eram pequenos costumava-mos ser tão próximos. Ainda me lembro da Joana ser adoptada, eu tinha sete anos e o Miguel tinha três. Era tão pequena e bonita, com os olhos verdes escuros como as árvores. Prometi a mim mesma que faria tudo o que pudesse para a proteger, que nunca deixaria que ninguém lhe fizesse mal.
Mas depois eles cresceram e deixaram de confiar em mim e de seguir os meus concelhos e aproximaram-se um do outro enquanto eu fiquei sozinha. E agora posso ver o ódio nos olhos deles, a Joana tornou-se numa renegada deprimida e estranha e o Miguel num miúdo desligado e médio em todos os sentidos, sem nunca se destacar em nada.
Por isso quando vi o comprimido só o imaginei a olhar-me daquela maneira e decidi que a mãe provavelmente também não conseguiria resolver o assunto, anda demasiado ocupada com o Rui. Decidi ficar com ele e quando vinha para a escola reparei que ainda o tinha no bolso.
E ali estava eu, na casa de banho, pronta para passar de estudar matemática na hora de almoço para engolir uma cápsula estranha na casa de banho quando me dei conta da incrível estupidez do que estava prestes a fazer, tinha aula a seguir e iam descobrir imediatamente que eu estava pedrada. Já tinha engolido o comprimido, mas não sentia nada, talvez estivesse tudo bem, talvez fosse só um comprimido para a cabeça ou assim…
Fiquei ali algum tempo até ouvir alguém bater á porta.
-Estás bem? -só nessa altura me apercebi que estava a chorar e a soluçar alto.
Limpei a cara e abri a porta, uma aluna do décimo-primeiro ano olhava para mim com um ar genuinamente preocupado.
Sai da casa de banho a correr mas não sem antes assegurar á rapariga que estava tudo bem.
Sei que nem vale a pena pedir desculpa ao Bruno, aquilo já deu o que tinha a dar.
A caminho da sala apercebi-me de que estava tonta e parei.
Estavam dois rapazes a lutar na entrada enquanto uma multidão de adolescentes excitados pelo sangue e pela violência observavam e murmuravam euforicamente.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Nos Braços de um Anjo...


E tudo o que damos por garantido por vezes acaba, por muito que não queiramos.
Tiago nunca teve realmente uma família. A mãe morreu logo depois de o dar à luz e o pai teve a preocupação de o educar e de lhe dar uma boa instrução até aos 18 anos. Depois disso, foi embora para o Brasil com a sua amada. Em consequência disso, Tiago sempre foi uma pessoa muito revoltada e que gostava de correr riscos.
Raquel queria atingir a felicidade junto dos que amava. No entanto, não o conseguiu, pois certo dia ia Raquel e o seu irmão a passear de carro quando Raquel perdeu o controlo deste causando-se um acidente…Raquel escapou quase ilesa, mas o seu irmão acabou por falecer. A partir desse dia, Raquel perdeu o contacto com a sua família.
Foi neste momento difícil da sua vida que Raquel conheceu Tiago! Desde aí que se apaixonaram um pelo outro, ou pelo menos era o que Raquel pensava até ao dia em que…
- Qual é a tua? Marcares um encontro comigo e encontro-te com… Desculpe, como se chama? Clara, claro. Que descaramento.
- Raquel! Eu amo-te Ela é só…
- A tua amante? – Completou Raquel a frase de Tiago.
Mais rápida que Tiago foi Clara que respondeu afirmativamente à pergunta de Raquel:
- Sim, sou a amante dele. Talvez não o faça feliz o suficiente, já pensou? É lixado, não é? Sentir que o momento vai chegar, que vai perdê-lo!
- Ele ama-me, não ouviu?
- Querida, nem você acredita nisso.
- Vá, chega senhoras, estamos num restaurante! Vamos para casa Raquel!
- Vamos? Se formos os dois, é para ires buscar as tuas coisinhas e andares da minha casa! Eu amava-te! Foste como um anjo que caiu na minha vida! Eu queria construir família contigo! Sabes o que é isso? Ah, pois, nunca tiveste realmente uma família, não é? – Ato contínuo, ficou arrependida pelo que disse.
- Nem acredito que disseste isso!
- Sinceramente, nem eu! – Dito isto virou costas e foi-se embora. Tiago foi atrás de Raquel, mas logo a seguir estava Clara a impedi-lo.
- Onde pensas que vais? Nem as tuas roupinhas, vais buscar a casa dela! Eu dou-te roupa! Eu tenho dinheiro! Não há problema, querido!
-Mas tu ainda estás aqui? Não é só isso que interessa! Vê se cresces e se arranjas alguém como tu: ambiciosa, fria e sem coração!
Com isto, desatou a correr para fora do restaurante rumo a casa de Raquel…

Adoriabelle

Nova iniciativa!

O blog Cartas Perdidas, vem por este meio comunicar aos seus leitores que uma nova iniciativa irá aparecer, em que engloba todas as suas cronistas!
Portanto, a iniciativa consiste em: uma das cronistas escreve um texto mas não o acaba, ou seja, final aberto, no entanto o que é pretendido não é que o leitor imagine um final (na sua perspetiva) mas sim que as outras cronistas do blog continuem a história fazendo-se assim uma saga de textos.
O primeiro texto será publicado agora.
Esperamos as vossas reações e críticas!
Obrigada!

Cartas Perdidas

A morte de Deus


Eu fui uma criança solitária. De certa forma continuo a ser, embora já não me considere bem uma criança.
Costumava sentar-me no cadeirão na cozinha da casa da minha avó a respirar o cheiro das bolas doces da manhã de Natal e a ouvir a missa na televisão. E por vezes, muitas na realidade, a minha avó sentava-se perto de mim e contava-me histórias. Não eram o tipo de histórias que se contam a uma criança antes de dormir, não era o capuchinho vermelho nem a bela adormecida. Eram histórias da bíblia. Histórias seleccionadas e adaptadas é claro, mas mesmo assim, histórias da Bíblia. E para dizer a verdade, eu gostava muito mais delas do que de qualquer outra história que me pudessem contar. Foi isso que fez de mim, nos primeiros anos da minha vida, uma católica devota. Ouvia atentamente a minha avó quando ela me ensinava as diferentes orações, mas a verdade é que quase nunca usei nenhuma delas, era isso que eu não percebia, se deus existia porque não podia eu ter uma conversa com ele? Porque tinha eu de repetir incessantemente palavras que tantos outros tinham pronunciado antes de mim e que tinham muito pouco significado real? Por isso limitava-me a falar com deus, tal como falaria com um pai ou com um amigo. Falava com ele sobre os mais variados temas, sobre o medo que tinha que a minha tia perdesse o emprego ou que os meus avós morressem e até sobre os meus amigos e as minhas notas na escola. Falava com ele especialmente naqueles momentos á noite em que esperava que a minha tia me viesse ler uma história (ainda não sabia ler e já começava a exigir livros religiosos ilustrados e enciclopédias infantis sobre religião) e mesmo com aquele silêncio avassalador não me sentia sozinha.
A existência de Deus era um facto garantido para mim, nunca o pus em causa. No ano em que entrei para a escola a meio de uma conversa um colega meu acabou por dizer:
-Eu não acredito em Deus. – fiquei completamente chocada, sabia que era possível acreditar-se num deus diferente mas não sabia que era possível não se acreditar em deus nenhum.
-Então em que acreditas?
-Sei lá, na natureza? – O miúdo era sem dúvida novo demais para acreditar ou deixar de acreditar em alguma coisa mas fora provavelmente criado num lar de ateus e absorvera a crença tão ferozmente como eu absorvera a do catolicismo.
Para mim, esse foi um ponto de mudança, foi a altura em que percebi que era possível ter uma crença diferente da minha. Mas a mudança real chegou quando eu andava no quinto ou no sexto ano. Adorava Ciências (gosto que se foi deteriorando quando o meu professor arranjou emprego noutra escola) e nunca achei que isso interferisse com as minhas crenças religiosas mas ultimamente andava chateada. Tinha onze anos, estava a mudar, as roupas que a minha mãe escolhia para mim pareciam-me desajustadas e desconfortáveis e toda a gente (incluindo os meus professores) me gozava por causa do meu cabelo, que me cobria quase totalmente o rosto. Os únicos momentos de felicidade que conhecia eram andar á porrada com os rapazes e no caso de me magoar, era sempre eu que era culpada. De repente, quando o meu professor falava da teoria do big bang nas aulas e explicava como isso podia coexistir com deus só me apetecia dizer:
-Não, não pode. São duas ideologias completamente diferentes! Você é o tipo de pessoa que só acredita em deus porque lhe dá jeito. Tenta concentrar-se em coisas como o jantar de amanhã e o horário das novelas só para não ter de se perguntar o que raio estamos nós a fazer aqui! – Nunca me ocorreu que talvez o meu professor de ciências não quisesse partilhar as suas dúvidas existenciais com um bando de miúdos de onze anos.
Mas ainda não acreditava nisso, não realmente, mesmo com todas as provas científicas do contrário, mesmo com as atrocidades que a igreja cometera ao longo dos tempos (que só agora me eram apresentadas) e com a minha recém-descoberta de que quase tudo era pecado, eu acreditava em deus. Acreditava pelo motivo mais importante, porque continuava a senti-lo lá, apesar minha ruptura definitiva com a igreja ter vindo mais cedo nesse ano. Tinha começado a catequese há poucas semanas quando se apoderou de mim um ódio horrível á igreja católica. No primeiro dia de catequese assistira á missa, o padre lera passagens da bíblia de que hoje já não me consigo lembrar mas lembro-me de que me transmitiram uma sensação tão grande de carinho, segurança e amor que acabei por começar a chorar. Na semana seguinte os meus catequistas imbecilmente perguntaram do que tínhamos gostado mais na missa. Todos os miúdos responderam coisas adoráveis como:
-Da musica!
-Das cores do fato do senhor padre!
-Do sitio onde a hóstia estava porque fazia lembrar uma bola de futebol! – Não posso afirmar que essas tenham sido as palavras exactas, mas juro que havia uma bola de futebol envolvida.
Quando chegou a minha vez respondi:
-Das palavras do padre. – o queixo do meu catequista caiu até ao chão antes de perguntar:
-Estás a falar a sério?
-Sim, o senhor padre falou de - E á medida que ia falando percebi que aquele imbecil não ouvira uma única palavra que fora dita na missa.
E foi assim que, com onze anos perdi a minha fé na igreja e em deus, mas principalmente nos adultos e na humanidade em geral. E há medida que as semanas se foram passando e eles nos continuavam a condescender com teatrinhos e actividades parvas que não me ensinavam nada de novo. Foi assim que percebi que setenta, embora na altura estivesse convencida que eram noventa, em cada cem católicos não queria saber de deus para nada. E isso coincidiu ou causou, nunca descobri, o glorioso período que mencionei acima.
A minha entrada no ateísmo foi causada uma amálgama de acontecimentos angustiantes que culminou comigo a cortar o cabelo á rapaz de uma forma desastrosa que me fez ficar conhecida como “Elvis”. E de repente percebi que o espaço na minha cabeça não era ninguém, era só eu. O período que se seguiu foi ainda pior, andei ainda mais á porrada, as minhas notas desceram mais, discuti ainda mais com a minha mãe e principalmente, senti-me muito mais sozinha. Porque o meu ateísmo não era saudável, não aceitava os seres humanos como sendo a única coisa que importava, de facto foi nessa altura que criei uma carapaça de cepticismo, palavrões e silêncio de que ainda hoje tenho dificuldades em me livrar. Tornei-me naquilo que detestava, nunca pensava em nada além das coisas insignificantes na minha vida e achava-me a pessoa mais infeliz do mundo. Isto irritava as pessoas á minha volta que acabavam por implicarem ainda mais comigo, porque eu tinha uns pais que me amavam e uma boa situação financeira, que mais queria eu?
A minha sanidade mental regenerou-se tão lentamente como o meu cabelo. Deixei de me importar com o que os outros pensavam (foi um dos mais importantes progressos e devo dizer que, por muito difícil que seja admitir, este se deveu á carapaça acima mencionada), deixei de discutir tanto com a minha mãe e comecei a interessar-me outra vez pelas coisas. Dentro deste período redescobri quem eu era, recomecei a ler (coisa que sempre adorara fazer em miúda mas que abandonara na pré-adolescência), arranjei uma forma de ter boas notas a todas as aulas sem ter de me esforçar e sentia-me satisfeita com a minha vida. Até comecei, embora quase que “ás escondidas” a admitir que não tinha que ser uma completa troglodita para ter algum valor. Estranhamente, nestes anos o meu ateísmo só se entranhara e eu estava plenamente convencida da não-existência de deus.
Há pouco tempo li um texto sobre deus por um ateu convicto, eram um texto bonito e bem escrito e tinha a particularidade (estranha no texto de um ateu) de não ofender ninguém. Falava sobre a morte de deus, sobre como crescera com ele e de repente não estava lá, que devia ter morrido de velhice ou assim. Comigo não foi assim que as coisas se passaram, o meu deus morreu num acidente de carro devido ás más condições da estrada, não foi assassinado por outro ser humano mas também não se limitou a desaparecer sem uma explosão.
Quando comecei a admitir que me importava o suficiente com a questão para me dedicar a ela fiz as minhas próprias conclusões acerca de deus e da religião. Todas as religiões continham mensagens de amor e piedade, todas elas podiam ser distorcidas até se tornarem ideologias odiosas. Respeitava-as a todas desde que se respeitassem umas ás outras e que respeitassem o meu direito de não ter nenhuma. Nem todas podiam estar certas, portanto, á excepção das mensagens de solidariedade, parti do princípio que de resto estavam todas erradas. Só este Verão, depois de ler as teorias de alguns filósofos gregos li algures sobre um filósofo que acreditava que deus era, ele próprio, o mundo, que estava dentro de todas as pessoas, de todos os animais e de todas as plantas.
Para mim, esse é deus, ele está aqui comigo, tal como está com alguns dos mais convictos ateus porque para mim deus é só uma metáfora criada pela humanidade para uma qualquer parte inacessível de nós mesmos ou até para este poderoso movimento a que chamamos natureza. Sou agnóstica, descobri isso numa altura em que não me detestava o suficiente para querer dar um nome comum a mim mesma. Mas francamente, já não é uma questão que me deixe angustiada, nunca deixarei de pensar nisso mas tenho a certeza de que se ele existe, está perfeitamente satisfeito comigo, porque eu estou perfeitamente satisfeita comigo mesma. O fantasma de deus caminha comigo e a liberdade de estar no limbo, de não ter de escolher um lado, faz-me pensar que tenho finalmente um mundo maravilhoso, cheio de possibilidades, à minha volta.


                                                                                                                                Verónica

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Beija-me Beija-me

Estás longe! Escrevo esta carta para te pedir uma prova! Sei que ainda pensas em  mim que me amas. Estás longe, não consigo  comunicar-te. Não atendes o telemovel e nem o telefone. Mas não faz mal! Eu sinto que ainda me amas, que ainda queres estar comigo!
   Gostava de te puder dizer ,pessoalmente, o quanto te amo e o quanto quero estar contigo. Se ao menos me atendesses o telemovel! Não sei o que se passa, mas quero que esteja tudo bem. Todos os dias peço a Deus que te proteja, porque te amo.
   Nestes últimos dias tenho sentido a tua falta, sinto saudade. As férias ja começaram à dois dias e desde aí que não me falas. Sabes... Estous mesmo com saudades, penso em ti todos os dias, não consigo tirar-te do meu pensamento. Lembro-me sempre dos teus beijos, ai quanto saudade eu tenho desses beijos!
   És sempre querido comigo e agora sinto a falta desses carinhos quentes que só tu sabes fazer. Quando estou triste apenas tu sabes acalmar a minha dor ou a minha mágoa. Lembras-te quando eu chorava aflita, quando tinha acabado  de receber uma má notícia? Sim, tenho a certeza que te lembras. Nessa altura foste a minha proteção, o meu apoio. Está não foi a única vez que me apoias-te , mas foi a mais marcante.
   Não sei por ondes andas, mas espero que te lembres de mim... Sinto a tua falta, preciso de ti... Deves estar a perguntar-te qual é o pedido que tenho para te fazer. Não é nada do outro mundo, mas para mim é importante. Na verdade, o pedido é muito especial, nem sei bem como pedir. Cá vai... "Por favor aparece e beija-me,  beija-me... Se pudesses entrar no meu coração verias que o que sinto por ti é um amor grande e verdadeiro. Este amor é tao puro como uma criança! Eu amo-te loucamente e não consigo deixar-te. Por favor e se me amas não ignores este pedido tão especial. Volta para mim, dá-me notícias, por favor!"
   Com muito amor e carinho finalizo  a minha carta. Espero que venhas! Amo-te


Um beijo e até sempre...

Lola Rosseu


Esta carta é para alguém muito especial, que entrou na minha vida e a mudou!
Entras-te de repente, não avisas-te! Deste me sinais, mas não os percebi!
Agora sei, que me amas, espero que esse sentimento predure em ti e ao mesmo
tempo que cresça, mais e mais.
Nunca te esqueças
EU AMO-TE
Edu...

domingo, 8 de janeiro de 2012

A minha estreia

Para mim, a escrita é algo que uso para mostrar às pessoas o que não lhes posso dizer. É uma forma aceitável de imaginar algo que não existe ou explorar as realidades que não fazem parte da minha vida. Permite-me criar personagens e histórias que pouco ou nada se relacionam com a sociedade, mas que são importantes para mim. É verdade que a importância dada à leitura e à escrita no nosso país não é muita, mas também é verdade que, cada vez mais, existem novas maneiras de incentivar as pessoas a ler e a escrever. A tecnologia pode afastá-las destas atividades, mas o blogue é uma prova de que não é obrigatório que assim seja. Muito pelo contrário.
            Fico contente por saber que tanta gente gosta de escrever e espero, sinceramente, que este gosto não desapareça.

Anita P.P.

Nova Cronista!


O blog, Cartas Perdidas, tem o orgulho de dar a conhecer uma novidade a todos os seus leitores! Preparados? Vamos ter uma nova cronista no blog, ou seja, mais textos, mais criações!
Não percam, hoje a estreia desta nova cronista, chamada... Anita P. P.!
Fiquem por aqui e até já!
Obrigada!

Cartas Perdidas

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Os insectos cinzentos



Capitulo I- 2ªparte

A Joana revira os olhos que são grandes como os da Sandra mas verdes-azeitona e mais afastados, não lhe dando aspecto de pássaro, dá uma pequena dentada na sua sandes sem os tirar da Sandra, que por sua vez responde com olhar de nojo e desprezo. Contudo, não acho que a Sandra odeie a Joana e penso que acredita que ao ser uma verdadeira cabra para ela, está apenas a alertá-la para o facto de estar a desgraçar a sua vida. Penso que á maneira parva dela, ela até gosta de nós, mas aprendeu afecto com a mãe e por isso aqueles de quem ela gosta são quase tão maltratados como aqueles que ela odeia.
-E tu já comes-te? - pergunto-lhe eu.
A Sandra vira a cara e responde-me num tom brusco:
-Comi uns cereais antes de vocês chegarem. Vais acabar o raio do sumo ou vais tagarelar?
 De repente ouvimos uma voz arrastada e baixa por detrás de nós:
-Bom-dia.
É realmente embaraçoso quando o pai toma a refeição connosco, nenhum de nós gosta de olhar para ele, como é óbvio. A Sandra porque não gosta de ver os seus genes de falhada, eu porque não o suporto e a Joana porque o ama.
E, para felicidade da Sandra, todos nós começamos automaticamente a comer muito mais rápido.
Quando saímos de casa a Sara já estava lá fora, a Sara é a nossa ama, é gentil, doce e tudo aquilo o que uma mãe devia ser, mas não é nossa mãe. É nossa ama desde que somos pequenos e embora as nossas necessidades tenham diminuído desde então, ainda nos leva á escola porque a mãe sai mais cedo e o pai está de ressaca.
Estudamos num colégio privado, é um colégio privado daqueles á moda antiga onde só entras se tiveres dinheiro (e ajuda se tiveres apelido) e usas uniforme.
Qualquer outro miúdo da minha idade seria gozado por andar com um fatinho azul o dia todo, mas como aqui todos têm que usar, não interessa.
Não quero dizer que sou um santo, mas não me considero tão snob como alguns miúdos que andam aqui, alguns destes putos são mesmo odiosos, acham que podem fazer tudo porque os paizinhos os podem safar e pagar todos os maus hábitos que apanhem.
Eu tenho um número limitado de amigos, são mais conhecidos com quem troco piadas, palavras cordiais e tenho habitualmente uma conversa ou duas, não sou um solitário como a Joana, raramente estou sozinho, mas não sou íntimo de ninguém.
Por isso aceno cordialmente a toda a gente, á Maria, a extrovertida filha daquela socialite que namora com um rapaz quase com idade para ser namorado da filha dela, tenho uma breve conversa com um grupo de rapazes da minha idade que fumam charros e falam das suas casas de férias em sotaques pretensiosos, tudo exactamente como no ano passado, sou arrastado por eles assim que a campainha toca.
Quando vi a professora Madalena, com o seu ar severo e insatisfeito de sempre percebi que ia ter que a aturar logo ás segundas de manhã em Português. Ninguém parecia particularmente satisfeito, especialmente quando ela começou a fazer um discurso sobre as dificuldades do oitavo-ano.
-… porque não se devem esquecer que é este ano que têm testes intermédios, que são uma preparação para os vossos exames, que influenciarão o vosso futuro. Toda a gente que passa do sétimo para o oitavo ano - de repente foi interrompida por um ruído ensurdecedor da porta a abrir-se com força.
Virei a cabeça, ainda a dormir do discurso e verificando, com pouco interesse quem se atrevia a prolongar aquela tortura.
Depois vi-a, primeiro pareceu-me que era muito alta mas depois vi que era porque era muito mais velha do que nós, tinha no mínimo dezasseis anos, era magra e talvez tivesse notado que era um pouco desajeitada se não estivesse tão concentrado no seu cabelo. Um cabelo ondulado, longo e espesso com uma cor quase irreal. Nunca conhecera nenhum ruivo e ela não tinha só aquela cor alaranjada no cabelo como nas sobrancelhas e nas pestanas, sem vestígios de qualquer maquilhagem. Tinha a pele de uma cor um bocadinho mais escura do que das turistas inglesas que se via no Algarve e estava ainda mais coberta de sardas que elas. Sardas na testa, nas bochechas, sardas no nariz e sardas nas pálpebras que cobriam uns olhos escuros e amistosos, e até sardas nas pernas, que se viam por baixo da saia do colégio sem qualquer vestígio de meias também elas cobertas de uma penugem alaranjada.
Ela impedia o cabelo grosso de se lhe pôr á frente da cara com um lenço étnico cheio de cores e achei o seu rosto um pouco deslavado até ela me sorrir.
-Peço desculpa pelo atraso, prometo que não volta a acontecer.
Nunca tinha visto a professora Madalena com aquela cara, tinha examinado a rapariga da cabeça aos pés e parecia achar que tudo nela, desde o cabelo aos sapatos em segunda mão pintados de rosa-vivo (os ruivos, nunca, mas nunca devem usar rosa vivo) era uma ofensa. Levou algum tempo para se recompor do choque.
-Como é o seu primeiro dia, vou abrir uma excepção.
Ela voltou a sorrir, o sorriso mais bonito que alguma vez tinha visto, era daquelas pessoas que sorria com os olhos, com a boca e até com o nariz. Quando ela se dirigiu á cadeira mesmo á frente do quadro, que se encontrava vazia, ouviu-se o tilintar das pulseiras de metal coloridas que tinha nos braços e até num dos tornozelos.
-Meninos, apresento-vos a vossa nova colega, a Elisabete Saldanha.
Ela sorriu e acenou e mais uma vez ia jurar que estava a olhar para mim.
-Foda-se, tem idade para ser minha avó, achas que é atrasada mental? - disse-me o Pedro ao ouvido.
-E aparentemente nunca ouviu falar em depilação, que homem das cavernas. – disse Maria com o seu sotaque mais carregado e o seu tom de voz mais malicioso.
Ouviram-se mais alguns comentários maliciosos sobre Elisabete, a maior parte das raparigas disseram que era horrível e trataram logo de eliminar a concorrência. Alguns rapazes chegaram a fazer comentários mesmo cruéis, como se seria uma mendiga e que era preciso ter bebido muito e ter faltado a luz. Disseram-no bastante alto e tenho a certeza que tanto a professora Madalena como a própria Elisabete ouviram. A última ficou com um ar realmente abatido e dirigiu-me um sorriso triste, que desta vez era definitivamente para mim, talvez por ter reparado que eu não tinha dito nada. No entanto, professora Madalena que nunca tolerava faltas de educação não disse nada, como se achasse que Elisabete merecia tudo aquilo pela forma como se apresentara e continuou o seu discurso.
No entanto, eu já não estava concentrado no que ela dizia, mas também não estava a dormir.
Estava a contar os fios cor-de-fogo no cabelo de Elisabete.

Os insectos cinzentos

Capitulo I- 1ªparte

Miguel

A minha família e eu não somos próximos.
Isto não seria estranho de dizer não tivesse eu treze anos de idade e tivesse vivido sobre o mesmo tecto que eles toda a minha vida. Mas é a mais pura das verdades, não somos próximos.
A minha mãe, uma ex-hospedeira de 43 anos, que agora tem um cargo administrativo na TAP, nunca exigiu nada menos do que excelência dos seus filhos e eu, como um pequeno rapaz de 13 anos que não tem particularmente boas notas e é um desportista apenas razoável não preencho os requisitos. Acho que ela culpa o meu pai pela maneira como eu e a Joana saímos, mas ainda está a ver se eu me componho. Custa a acreditar que a minha mãe, tão bonita (uma mulher de 43 anos, sem negar, mas muito bonita) e tão inteligente, se tenha interessado por um falhado como o meu pai.
Bem, ele nem sempre foi assim, acho eu… A Sandra diz que ele costumava ter um emprego e cabelo e ganhar muito dinheiro mas, pouco depois de eu nascer, o banco onde trabalhava faliu. A mãe ganha o bastante para nos sustentar mas não para levar a vida que levamos, só que os meus avós, um ex-ministro e economista e uma professora reformada que toma chá com a Lili Caneças, dão-nos o dinheiro suficiente para podermos viver de uma maneira que a maior parte das pessoas não vive. Bom, a partir daí o meu pai começou a acumular os anos sem emprego, o teor alcoólico por dia e os quilos a mais até se tornar na confusão careca, gorda e inútil que está presentemente a ocupar o nosso quarto das visitas (a mãe há muito que o expulsou do dela, mas não se quer divorciar do pai pois não gosta de se ver como divorciada, o pai é uma fachada, mas uma fachada agradável).
Não me aproximo da minha mãe porque ela não tem tempo para essas coisas e tem menos instinto maternal que… Bem, sabem aqueles animais que comem as crias que nascem deficientes? A minha mãe ainda só não comeu a Joana porque os vizinhos iam pensar mal dela.
A única filha de que realmente toma conta é a Sandra, pois ela é uma oportunidade para projectar os seus sonhos e aspirações falhadas.
Já o meu pai… Não sou próximo do meu pai, porque não tenho pai, porque quem quer que seja aquela carcaça nojenta que às vezes se arrasta até á mesa para jantar connosco, nunca pode ter sido pai de ninguém, quanto mais o meu…O meu pai há muito que abandonou o seu corpo e deixou aquele parasita que nada mais faz do que comer, beber e dormir.
-Miguel, acaba o teu sumo, não queres chegar atrasado. – disse a minha irmã Sandra na sua voz altiva. A Sandra, oh, a Sandra. A Sandra anda no 12º ano faz ballet desde os três anos, equitação desde os oito e natação desde os três… meses.
É alta e magra, pálida como eu, com o cabelo castanho-escuro como o meu, e os olhos grandes da mesma tonalidade escura que os meus. No entanto, o nariz pequeno e triangular no meio dos olhos enormes e escuros, a forma oval da cara, o queixo saído e a boca pequena e redonda dão-lhe o aspecto de um pássaro qualquer que não consigo identificar. Na minha modesta opinião, está bem longe de ser bonita e tem sem duvida um ar sonso, mas segundo a Joana, alguns rapazes acham piada e a cara de pássaro consegue ser interessante.
Claro que dezassete anos de perfeccionismo, pressão, maus-tratos emocionais e défice de carinho tornaram a Sandra em alguém com quem é realmente desagradável de se estar. Ela é completamente perfeccionista, obsessiva, sonsa, insegura (mas compensa-o fazendo os outros sentirem-se ainda pior que ela) e consegue ser realmente vingativa e cruel, sendo no entanto leal a quem a ajuda. Toda a gente quer estar nas boas graças da Sandra. Com esta descrição talvez seja difícil de acreditar que ela tenha tantos amigos mas a Sandra tem um jeito especial para manipular, assustar e ostracizar as pessoas e como é uma intrometida que tem a mania que é boa as pessoas pensam que isso é verdade. Um bocadinho como um ditador, a Joana diz que a grande inspiração dela é o Hitler, que não sabe porque é que ainda continua a tirar o bigode. A vida amorosa dela também não vai mal porque apesar de a maior parte dos rapazes não gostarem de ser tratados como cães por uma maluca obsessiva, ela é atraente e tem talento para te obrigar a fazer aquilo que quer.
-Joana, por amor de deus, despacha-te! Se não quiseres comer não comas, deus sabe que não precisas, mas por amor de deus não te tornes um estorvo ainda maior do que já és ao fazer-nos chegar atrasados.
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Continua na 2ª parte

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Os insectos cinzentos

Prólogo



A morte... O que podemos dizer sobre ela?
Um assunto tão estudado, debatido e temido mas realmente não há nada de concreto que possamos esperar...
Especialmente quando a olhamos nos olhos. A maior parte das pessoas não tem tempo para o fazer, um ataque cardíaco, uma cabeça esmagada num acidente. É tudo tão rápido que quase não tem beleza nenhuma e nem sequer temos tempo de percebê-la.
Mas eu sou sortudo, eu olho neste momento para os olhos frios e escuros da morte e sorrio quando ela me abre os seus braços gretados de mãe carinhosa.
Levanto-me, vejo uma poça escorregadia de sangue e contrario o impulso de a contornar. Sinto o líquido quente a molhar-me os pés e tingir-me as meias de uma alegre cor vermelha, o cheiro nojento e adocicado do sangue espalhado nas paredes desta casa, sempre tão limpa e cuidada.
Fico ali algum tempo, em pé, sujo de sangue e em roupa interior á volta dos corpos dos meus filhos e da minha mulher, como o rei dos loucos.
Deito-me por fim á beira da minha esposa, como no fim de um longo dia e ponho-lhe a mão em volta da cintura como há tanto tempo não fazia.
Saboreio então o salgado e metalizado da minha arma. Contemplo os cabelos loiros dela, a sua boca vermelha, o peito sardento e a pequena cicatriz que ela tem no ombro e que aquele vestido deixa nua.
Com lágrimas nos olhos e tremores nas mãos, pressiono o gatilho.
Depois...
Nada.

Os insectos cinzentos

Seguindo o exemplo da minha colega, também eu vou publicar, por capítulos, uma história que escrevi há algum tempo atrás. Trata-se de uma história longa e o sentido do prólogo só é entendido durante o desenvolvimento da mesma, por isso solicito paciência.
O titulo é ainda provisório e, depois da publicação do primeiro capitulo (que deverá ser publicado amanhã), aceitam-se sugestões.


                                                                                                                            Verónica

Anúncio de um novo romance!

O blog vem por este meio comunicar que brevemente estreará um novo romance! Este é um romance de autoria da nossa cronista: Verónica. Devido ao facto de alguns dos capítulos serem muito grandes, serão divididos por partes. Cada parte, é provável que tenha um intervalo de meia hora.
Obrigada a todos pelo apoio!

Cartas Perdidas