Capitulo I- 2ªparte
A Joana revira os olhos que são grandes como os da Sandra mas verdes-azeitona e mais afastados, não lhe dando aspecto de pássaro, dá uma pequena dentada na sua sandes sem os tirar da Sandra, que por sua vez responde com olhar de nojo e desprezo. Contudo, não acho que a Sandra odeie a Joana e penso que acredita que ao ser uma verdadeira cabra para ela, está apenas a alertá-la para o facto de estar a desgraçar a sua vida. Penso que á maneira parva dela, ela até gosta de nós, mas aprendeu afecto com a mãe e por isso aqueles de quem ela gosta são quase tão maltratados como aqueles que ela odeia.
-E tu já comes-te? - pergunto-lhe eu.
A Sandra vira a cara e responde-me num tom brusco:
-Comi uns cereais antes de vocês chegarem. Vais acabar o raio do sumo ou vais tagarelar?
De repente ouvimos uma voz arrastada e baixa por detrás de nós:
-Bom-dia.
É realmente embaraçoso quando o pai toma a refeição connosco, nenhum de nós gosta de olhar para ele, como é óbvio. A Sandra porque não gosta de ver os seus genes de falhada, eu porque não o suporto e a Joana porque o ama.
E, para felicidade da Sandra, todos nós começamos automaticamente a comer muito mais rápido.
Quando saímos de casa a Sara já estava lá fora, a Sara é a nossa ama, é gentil, doce e tudo aquilo o que uma mãe devia ser, mas não é nossa mãe. É nossa ama desde que somos pequenos e embora as nossas necessidades tenham diminuído desde então, ainda nos leva á escola porque a mãe sai mais cedo e o pai está de ressaca.
Estudamos num colégio privado, é um colégio privado daqueles á moda antiga onde só entras se tiveres dinheiro (e ajuda se tiveres apelido) e usas uniforme.
Qualquer outro miúdo da minha idade seria gozado por andar com um fatinho azul o dia todo, mas como aqui todos têm que usar, não interessa.
Não quero dizer que sou um santo, mas não me considero tão snob como alguns miúdos que andam aqui, alguns destes putos são mesmo odiosos, acham que podem fazer tudo porque os paizinhos os podem safar e pagar todos os maus hábitos que apanhem.
Eu tenho um número limitado de amigos, são mais conhecidos com quem troco piadas, palavras cordiais e tenho habitualmente uma conversa ou duas, não sou um solitário como a Joana, raramente estou sozinho, mas não sou íntimo de ninguém.
Por isso aceno cordialmente a toda a gente, á Maria, a extrovertida filha daquela socialite que namora com um rapaz quase com idade para ser namorado da filha dela, tenho uma breve conversa com um grupo de rapazes da minha idade que fumam charros e falam das suas casas de férias em sotaques pretensiosos, tudo exactamente como no ano passado, sou arrastado por eles assim que a campainha toca.
Quando vi a professora Madalena, com o seu ar severo e insatisfeito de sempre percebi que ia ter que a aturar logo ás segundas de manhã em Português. Ninguém parecia particularmente satisfeito, especialmente quando ela começou a fazer um discurso sobre as dificuldades do oitavo-ano.
-… porque não se devem esquecer que é este ano que têm testes intermédios, que são uma preparação para os vossos exames, que influenciarão o vosso futuro. Toda a gente que passa do sétimo para o oitavo ano - de repente foi interrompida por um ruído ensurdecedor da porta a abrir-se com força.
Virei a cabeça, ainda a dormir do discurso e verificando, com pouco interesse quem se atrevia a prolongar aquela tortura.
Depois vi-a, primeiro pareceu-me que era muito alta mas depois vi que era porque era muito mais velha do que nós, tinha no mínimo dezasseis anos, era magra e talvez tivesse notado que era um pouco desajeitada se não estivesse tão concentrado no seu cabelo. Um cabelo ondulado, longo e espesso com uma cor quase irreal. Nunca conhecera nenhum ruivo e ela não tinha só aquela cor alaranjada no cabelo como nas sobrancelhas e nas pestanas, sem vestígios de qualquer maquilhagem. Tinha a pele de uma cor um bocadinho mais escura do que das turistas inglesas que se via no Algarve e estava ainda mais coberta de sardas que elas. Sardas na testa, nas bochechas, sardas no nariz e sardas nas pálpebras que cobriam uns olhos escuros e amistosos, e até sardas nas pernas, que se viam por baixo da saia do colégio sem qualquer vestígio de meias também elas cobertas de uma penugem alaranjada.
Ela impedia o cabelo grosso de se lhe pôr á frente da cara com um lenço étnico cheio de cores e achei o seu rosto um pouco deslavado até ela me sorrir.
-Peço desculpa pelo atraso, prometo que não volta a acontecer.
Nunca tinha visto a professora Madalena com aquela cara, tinha examinado a rapariga da cabeça aos pés e parecia achar que tudo nela, desde o cabelo aos sapatos em segunda mão pintados de rosa-vivo (os ruivos, nunca, mas nunca devem usar rosa vivo) era uma ofensa. Levou algum tempo para se recompor do choque.
-Como é o seu primeiro dia, vou abrir uma excepção.
Ela voltou a sorrir, o sorriso mais bonito que alguma vez tinha visto, era daquelas pessoas que sorria com os olhos, com a boca e até com o nariz. Quando ela se dirigiu á cadeira mesmo á frente do quadro, que se encontrava vazia, ouviu-se o tilintar das pulseiras de metal coloridas que tinha nos braços e até num dos tornozelos.
-Meninos, apresento-vos a vossa nova colega, a Elisabete Saldanha.
Ela sorriu e acenou e mais uma vez ia jurar que estava a olhar para mim.
-Foda-se, tem idade para ser minha avó, achas que é atrasada mental? - disse-me o Pedro ao ouvido.
-E aparentemente nunca ouviu falar em depilação, que homem das cavernas. – disse Maria com o seu sotaque mais carregado e o seu tom de voz mais malicioso.
Ouviram-se mais alguns comentários maliciosos sobre Elisabete, a maior parte das raparigas disseram que era horrível e trataram logo de eliminar a concorrência. Alguns rapazes chegaram a fazer comentários mesmo cruéis, como se seria uma mendiga e que era preciso ter bebido muito e ter faltado a luz. Disseram-no bastante alto e tenho a certeza que tanto a professora Madalena como a própria Elisabete ouviram. A última ficou com um ar realmente abatido e dirigiu-me um sorriso triste, que desta vez era definitivamente para mim, talvez por ter reparado que eu não tinha dito nada. No entanto, professora Madalena que nunca tolerava faltas de educação não disse nada, como se achasse que Elisabete merecia tudo aquilo pela forma como se apresentara e continuou o seu discurso.
No entanto, eu já não estava concentrado no que ela dizia, mas também não estava a dormir.
Estava a contar os fios cor-de-fogo no cabelo de Elisabete.
6 comentários:
Que lindo! Quero mais!
Gostei muito! Se continuares a escrever assim, acho que toda a gente vai adorar ler a tua história, nem que ocupe uma biblioteca inteira! =)
Que fofa que esta menina é! Tão linda! Ly Anita!
Muito obrigada! Fiquei tão contente por ler os vossos comentários!
Verónica, Verónica, estasvas com tanto medo de publicar a história! O medo era por causa de toda a gente adorar? Ai, ai, não penses no que os outros pensam, basta o que tu pensas. a historia está linda, tu és fantastica a escrever! Parabéns, venham mais iguais a este. Bjs
Completamente apoiado!;)
kisses
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