sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Os insectos cinzentos



Capítulo II- Parte 1

Sandra

-Enfiada na biblioteca outra vez. – o Bruno contrai o nariz e sorri.
Não lhe respondo, de facto nem tiro a cabeça de dentro do livro de matemática. Ele muda radicalmente de expressão e apercebo-me que deixou de esperar uma resposta.
-Só te queria perguntar se queres aparecer hoje á noite na praia.- limito-me a abanar a cabeça- Já almoças-te?
Agora sim tiro os olhos do livro e fixo-os nele:
-Agora és meu pai?
-Só estou preocupado contigo.
-Devias preocupar-te menos comigo e mais contigo porque no ano passado tiveste média de 13.
-Sabes que mais, vai-te foder, não tenho paciência para te aturar!
O Bruno não é mau rapaz, na verdade é mais o contrário, é meu namorado há uns meses e não vai durar muito, não é muito bonito nem muito inteligente e é demasiado simpático para mim.
A verdade é que tenho fome, é por isso que estou a ser uma cabra com toda a gente é por isso que tenho a cara enfiada num livro de matemática, porque se for á cantina sou obrigada a olhar para montes de gente feliz e sorridente a comer batatas fritas e bolos quando eu não como desde ontem.
Acabo por desistir porque não consigo pensar e vou para a casa de banho. No outro dia encontrei um comprimido estranho no casaco do meu irmão, é mais uma cápsula do que um comprimido, sei que muitos miúdos da escola dele se drogam e não me parece que ele seja desse tipo mas, para evitar que ele se metesse em sarilhos fiquei com ele. Ainda pensei em dizer á mãe mas a verdade é que não quero que os meus irmãos me odeiem. O que é patético. Mas quando eles eram pequenos costumava-mos ser tão próximos. Ainda me lembro da Joana ser adoptada, eu tinha sete anos e o Miguel tinha três. Era tão pequena e bonita, com os olhos verdes escuros como as árvores. Prometi a mim mesma que faria tudo o que pudesse para a proteger, que nunca deixaria que ninguém lhe fizesse mal.
Mas depois eles cresceram e deixaram de confiar em mim e de seguir os meus concelhos e aproximaram-se um do outro enquanto eu fiquei sozinha. E agora posso ver o ódio nos olhos deles, a Joana tornou-se numa renegada deprimida e estranha e o Miguel num miúdo desligado e médio em todos os sentidos, sem nunca se destacar em nada.
Por isso quando vi o comprimido só o imaginei a olhar-me daquela maneira e decidi que a mãe provavelmente também não conseguiria resolver o assunto, anda demasiado ocupada com o Rui. Decidi ficar com ele e quando vinha para a escola reparei que ainda o tinha no bolso.
E ali estava eu, na casa de banho, pronta para passar de estudar matemática na hora de almoço para engolir uma cápsula estranha na casa de banho quando me dei conta da incrível estupidez do que estava prestes a fazer, tinha aula a seguir e iam descobrir imediatamente que eu estava pedrada. Já tinha engolido o comprimido, mas não sentia nada, talvez estivesse tudo bem, talvez fosse só um comprimido para a cabeça ou assim…
Fiquei ali algum tempo até ouvir alguém bater á porta.
-Estás bem? -só nessa altura me apercebi que estava a chorar e a soluçar alto.
Limpei a cara e abri a porta, uma aluna do décimo-primeiro ano olhava para mim com um ar genuinamente preocupado.
Sai da casa de banho a correr mas não sem antes assegurar á rapariga que estava tudo bem.
Sei que nem vale a pena pedir desculpa ao Bruno, aquilo já deu o que tinha a dar.
A caminho da sala apercebi-me de que estava tonta e parei.
Estavam dois rapazes a lutar na entrada enquanto uma multidão de adolescentes excitados pelo sangue e pela violência observavam e murmuravam euforicamente.

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